Videntes e sonâmbulos


        A convite do Serviço de Documentação do antigo Ministério de Educação e Cultura, o poeta, crítico e tradutor maranhense Oswaldino Marques (1916-2003) organizou e editou, em 1955, o livro "Videntes e sonâmbulos", coletânea de poemas de autores norte-americanos traduzidos por escritores e poetas brasileiros de renome.

Sem fins comerciais, “destinada tão só e exclusivamente à cultura do povo”, a edição bilíngue esgotou-se rapidamente. Sorte a de quem, na época, obteve um exemplar do livro, um volume de 300 páginas impresso em tamanho grande (24x17 cm), com atraente ex-libris dourado na capa. 
            
      Trata-se de um livro antológico, não apenas por reunir poemas consagrados de trinta dos maiores poetas dos Estados Unidos – Ezra Pound, Marianne Moore, Walt Whitman, Hart Crane, Langston Hughes, Emerson e Charles Eaton, entre outros – , mas também pela importância dos nomes que assinam as traduções: João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Guilherme de Almeida, Câmara Cascudo, Joaquim Cardoso, Jorge de Lima, Orígenes Lessa, Cecília Meireles e outros mais.

         Por que o estranho título para uma antologia de poetas norte- americanos? 

Ao longo da história da literatura atribuíram-se aos poetas o poder de antecipar o futuro, como se movidos por uma visão paranormal. Seriam profetas, advinhos, videntes. Na famosa carta que escreveu a Paul Demene, em 1871, o poeta Arthur Rimbaud diz, enfaticamente, que “ é preciso ser um vidente, tornar-se um vidente. O poeta se faz vidente através de um longo, imenso e pesquisado desregramento de todos os sentidos”. O ofício da poesia também seria movido por uma espécie de sonambulismo, no qual o consciente é substituído pela imaginação. O que ele vê é invisível aos olhos. 

Seriam essas, talvez, as razões do título, sem desconsiderar o fato de que Oswaldino Marques, homem de esquerda, pode ter se inspirado no famoso, trágico e belo poema de Federico Garcia Lorca “Romance sonâmbulo”: “Verde que te quero verde/ Verde vento. Verdes ramos/ Uma barca sobre o mar/ e o cavalo na montanha (...) Verde que te quero verde/ sob a lua dos ciganos/ e as coisas a estão olhando/ e ela não as pode olhar”.

Esgotada a edição histórica de Videntes e sonâmbulos, Oswaldino Marques cedeu os direitos de publicação de sua antologia à Ediouro, que fez uma reedição em livro de bolso, portanto popular, com o horrível título de O Livro de Ouro da Poesia dos Estados Unidos. Deve ter vendido muito, mas, nessa embalagem comercial,  não se tratava, evidentemente, do mesmo livro –  pelo menos para leitores, como eu, que consideram o livro físico, para além do seu conteúdo, um ser vivo insubstituível. Nada se compara a uma primeira edição!

O bom (e cruel) para quem é amante de livros é que existe uma grande parcela da população que não confere a mínima importância a eles. É o que explica o fato de que exemplares daquela edição de Videntes e sonâmbulos ainda estejam disponíveis, e por preços inacreditáveis, na Internet. 

O belo exemplar que consulto no momento foi adquirido num desses sebos virtuais por vinte e cinco reais apenas, incluídas as despesas de transporte. Além de apresentar excelente estado de conservação, o livro vem autografado pelo autor, com uma dedicatória ao poeta Charles Eaton, que foi vice-cônsul dos Estados Unidos no Rio e seu grande amigo. Ou seja, não tem preço.

Oswaldino Marques, um dos fundadores do Cenáculo Graça Aranha, grupo que, em São Luís, replicava as ideias modernistas de 1922, publicou uma dezena de obras de poesia e ensaios sobre literatura e traduções de escritores e poetas de língua inglesa. Foi professor de Teoria Literária na Universidade de Brasília (UnB) e professor catedrático na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos. 

Teve vida modesta,  e hoje está esquecido. Era vidente e sonâmbulo também.

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