A poesia visceral de Jorge Abreu



Contra toda forma de barbárie, a poesia. “Contra fel, moléstia, crime, use Dorival Caymmi, vá de Jackson do Pandeiro”, receitou o cantor popular.  E tome poesia, concordou Octávio Paz,  para quem a poesia é conhecimento, salvação, poder e abandono.

Foi com a noção desse poder utilitário, revolucionário e redentor do poema que o jornalista Jorge Abreu rendeu-se, enfim, ao assédio insistente da poesia. O resultado dessa capitulação é o belo e tocante  livro “Danações” (Editora Benfazeja), que ele acaba de lançar em Barra do Corda, a sua Ítaca natal, para a qual retornou definitivamente depois de enfrentar e vencer, como Ulissses, grandes batalhas nos seus mares interiores.

Que ninguém se iluda com o título do livro, porque as danações de Jorge Abreu não se referem a travessuras, estripulias e teimosias, às quais está associado o vocábulo no interior do Brasil, e nas quais ele foi especialista, como menino crescido livremente “entre várzeas e rios de águas límpidas”, como diz o hino de sua terra. A palavra danação, aqui, tem o sentido latino original de “damnatio”, isto é, condenação, maldição, desespero.

No poema-título, Jorge Abreu confessa, de forma pungente, a sua descida aos infernos: “Quando me perdi saí como um corvo/faminto pelas ruas a mendigar /o que quer que desse algo/pra não mais respirar (...)/ Bebi a água do fundo do poço/ matei o menino que fui/ O rapaz que sonhava com a visão das estrelas/ virou um monstro: pele e osso”. A maior batalha do poeta foi consigo mesmo: “Nadei, andei a esmo, viajei ao inferno/me busquei (...) Me enfrentei, me resgatei, emergi/ como Fênix”.

No entanto, o livro de estreia de Jorge Abreu é muito mais do que uma catarse. É também denúncia da mediocridade dominante nestes tempos de internet e redes sociais (“A vida por uma curtida/ a vida por um fio”); é crítica social (“Enquanto máquinas arrasam o que resta da combalida terra/ a realidade se transforma em fantasia digital”); é crônica de costumes(“Espero que você se cure doutor/ da sua inútil vontade de curar o amor”); é amor e erotismo sem peias.

Lendo essas “danações”, como não evocar a “Alma danada” de Bernini, aquela imagem de espanto e dor que ele conseguiu eternizar no mármore?

Em linguagem moderna, livre de fórmulas pré-estabelecidas, a poesia de Jorge Abreu é visceral, provocante (porque irresistível) e provocadora (porque questiona), mas não esconde o lirismo de quem tem o sentimento do mundo e carrega nos ombros a dor dos seus companheiros de aventura na terra: 

Veja bem fundo dentro da água dos meus olhos de águia e você/ perceberá que sou muito mais do que uma ave de rapina”.  

Nestes tempos bárbaros, “contra fel, moléstia e crime”, leia a poesia de Jorge Abreu.




Comentários

  1. Boa tarde. Parabéns pelo livro. Você merece. Tudo de bom.

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  2. Os louvores devem ser dirigidos ao poeta Jorge Abreu

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Nós, leitores e amigos, é que somos gratos a você por nos brindar com a sua bela e pungente poesia

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  5. A poesia é a salvação! A poesia me enlouquece porque me faz ver o mundo e as pessoas com olhos de amor! A poesia me cura e me salva porque renova a minha esperança de que o mundo ainda pode ser melhor, de que as pessoas ainda podem ser mais humanas, mais solidárias! Para o meu amigo Antonio Carlos Gomes Lima, minha sempiterna gratidão!

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  6. Eu simplesmente amo lê e relê essa maravilha. Já me sinto anciosa a espera do seu próximo livro meu caro poeta! Parabéns!👏👏👏👏👏👏👏

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  7. Me sinto orgulhoso,pelo amigo que tenho,por externar a preciosidade da poesia,acessando a futuras geracoes dos novos tempos.

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