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Mostrando postagens de 2019

Mundo grande e estranho

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                             “ Um dia frio/ Um bom lugar pra ler um livro ”. (Djavan)             Encerro o ano na companhia do índio Rosendo Maqui.  Sábio e justo, “um pouco vegetal, um pouco homem, um pouco pedra”, esse índio é o líder da comunidade de Rumi, nos Andes do norte peruano. Ao seu lado, enquanto ele desfia o novelo da memória, contemplo a imensidão da cordilheira e, aos poucos, me familiarizo com o cotidiano desses índios que parecem felizes, com seus ponchos e sombreros coloridos, seus mitos e suas lendas, nas terras férteis do povoado onde cultivam milho, trigo, batata e a coca que os ajuda a suportar a pressão daquelas altitudes.   Mas a aparente felicidade dos indígenas de Rumi vai acabar quando ricos fazendeiros da região se apossarem fraudulentamente das terras em que vivem e eles tiverem que buscar outras paragens. “Vão a outros lugares, o mundo é grande”, lhes dirão os novos donos das terras.   Rosendo Maqui é o personagem central de “Grande

Andrelina e a lua

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       O 31 de dezembro era um dia muito especial para Andrelina. Não porque fosse reveión, que festa com esse nome esquisito não se conhecia no Curador, mas porque assim tinha sido nos últimos vinte anos. Por isso, no dia 31 de dezembro   ela acordava cedo, junto com as galinhas, como dizia, e logo começava a se desincumbir de suas tarefas, para que nada atrapalhasse o ritual de felicidade que iria cumprir nesta noite. Em poucos minutos a lenha crepitava no fogão e ela punha o café dissolvido na água para ferver numa panela. Corria ao quintal para colher, com um balde preso a uma corda enrolada numa roldana de madeira,   a água do poço escondido entre mangueiras, laranjeiras e um pé de tuturubá, uma fruta cujo cheiro de sexo rescendia entre as árvores e instigava a alma inquieta de Andrelina. Ela voltava para o interior   da casa com o balde cheio, abastecia os dois potes e as bilhas de barro da bilheira da copa, voltava à cozinha   e coava, com um pano grosso, o café fum

O antigo povo das águas

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Livro a ser lançado nesta segunda-feira em Brasília revela a existência de uma civilização que, há mais de mil anos, vivia sobre as águas na Baixada Maranhense Machado de pedra e o Muiraquitã de jade encontrados nas estearias             Há pelo menos 1.200 anos, a Baixada Maranhense, uma região de 20 mil quilômetros de terras baixas e inundáveis situadas a oeste de São Luís, abrigou uma civilização que vivia em aldeias formadas por conjuntos de palafitas erguidas no leito de rios e no meio dos lagos. Esse povo, que escolheu viver sobre as águas provavelmente por questões de defesa e subsistência, fabricava utensílios de cerâmica e pedra e se comunicava com populações da Amazônia, do Caribe e da América Central.             Os vestígios mais evidentes desses assentamentos humanos são as estearias, aglomerações de milhares de esteios de madeira maciça que permanecem por séculos fincados no leito das águas de rios e lagos em municípios como Viana, Cajari, Penalva, Santa Hele

História de uma infâmia

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              Eis um livro que todos os brasileiros deveriam ler. Entre outras razões, porque ele nos coloca diante do espelho, perante nossa imagem verdadeira, aquela que muitas vezes evitamos encarar. Em linguagem simples, antiacadêmica e sedutora, ele nos conta, com a objetividade e a clareza ausentes na maioria dos livros   disponíveis sobre o assunto, a história da escravidão negra no Brasil.           Primeiro de uma trilogia que o autor, o jornalista Laurentino Gomes,   produziu após seis anos de pesquisas e visitas a uma dezena de países em três continentes, “Escravidão” (Globo Livros, R$ 49,90, 504 págs.), o livro a que aludimos, é a história muito bem contada de uma infâmia que marcou a vida brasileira durante mais de 300 anos.          Como adverte o próprio Laurentino, a escravidão no Brasil foi “uma tragédia humanitária de proporções gigantescas”. Arrancados à força de suas casas, de suas famílias, de seus países, transportados como animais em travess