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Mostrando postagens de janeiro, 2021

As máscaras

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E ra quase meia-noite, fazia muito frio, as ruas estavam semidesertas. O silêncio era quebrado apenas pelo barulho dos caminhões de lixo e das máquinas que, naquele trecho de Las Condes, lavavam e perfumavam as calçadas com lavanda. Um casal deixa um pequeno prédio da  calle  Napoleón, caminha até a Apoquindo e, na primeira lixeira, deposita o material pesado que leva em duas sacolas. São três máscaras de madeira escura, ricamente entalhadas. O casal retorna rapidamente ao prédio, e a noite prossegue, glacial, em Santiago do Chile.            Aquele tinha sido um dia estressante para o casal: minha mulher e eu. Pela manhã, eu havia recebido um diagnóstico assustador do médico gastroenterologista que me atendera em seu consultório em Providência. Depois de observar várias vezes o resultado dos exames, perguntou se eu me sentia bem, se sofria de dores, ânsias de vômito, tonturas. Respondi que não, tudo o que eu sentia eram refluxos. Depois de comer, beber um vinho, sentia que a comida pe

Relato de um náufrago

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     E ste livro é uma viagem. Seu autor, navegante experimentado nos sete mares da boa prosa de ficção, como bem atestam seus dois livros anteriores de contos, ambos premiados, conduz o leitor numa expedição em busca de um tempo que ele sabe irremediavelmente perdido.    Como o poeta Gonçalves Dias, seu conterrâneo, que sucumbe com seu navio nas águas tormentosas dos Atins quando já avista as palmeiras da terra natal a que tenta retornar depois do exílio, Jozias Benedicto faz, neste  Aqui até o céu escreve ficção , vencedor do Prêmio Literário 2018 do Governo do Maranhão , a viagem regressiva à São Luís da infância e da juventude, consciente de que também não a alcançará plenamente.    A cidade, as pessoas, as vozes, os cheiros, os sabores de outros tempos sobrevivem apenas em sua memória e em sua imaginação. Dessa matéria difusa, feita de lembranças e invenção, nascem os excelentes contos aqui reunidos .  A vida, na definição sempre lembrada de García Márquez, “não é a que a gente vi