Por trás de uma vitória
Há 124 anos, Grover Cleveland, presidente dos
Estados Unidos (1893-1897), escolhido como árbitro pelas partes em litígio,
decidiu, a favor do Brasil, uma explosiva questão de limites territoriais
levantada pela Argentina, que reivindicava soberania sobre o oeste dos estados do
Paraná e de Santa Catarina.
A acreditar-se no testemunho insuspeito de
Rui Barbosa, essa vitória, um dos grandes triunfos da diplomacia do Barão do
Rio Branco, deveu-se, fundamentalmente, ao trabalho de um maranhense: o
professor, escritor e tradutor José Antonio de Freitas (1849-1931), nascido em
São Luís, mas radicado desde muito jovem em Lisboa.
Convidado pelo então ministro das Relações
Exteriores a colaborar com a defesa do interesse nacional, ameaçado pela nação
vizinha, Freitas obteve em arquivos da Europa documentos que embasaram os
argumentos decisivos para a salvaguarda das atuais fronteiras do Brasil ao sul.
Em
carta mencionada por Josué Montello na conferência que pronunciou em 1983, ao
tomar posse na Academia de Ciências de Lisboa, Rui Barbosa lamenta que “os
nossos conterrâneos, sempre à cata de um ídolo, esqueçam, entre as alegrias do
triunfo, o nome de um homem cuja colaboração nesse resultado é tão fundamental,
que, sem ela, a vitória de Rio Branco seria impossível: o Dr. José Antonio de Freitas”.
Os documentos e parte da argumentação que
deram essa vitória ao Brasil estão reunidos no livro Pretensões argentinas na questão dos limites com o Brasil (Rio,
1893), que Freitas escreveu em parceria com o Barão de Capanema.
José Antonio de Freitas nasceu em São Luís a
10 de abril de 1849, mas foi levado pelos pais portugueses, em data ignorada, a
viver em Portugal.
No mundo acadêmico, é lembrado como o
primeiro brasileiro a traduzir, para a língua portuguesa, textos integrais das
obras de Shakespeare. Em 1883, publicou Otelo
ou o Mouro de Veneza; e, em 1887, também em Lisboa, deu à luz Hamlet. Publicou uma dezena de livros
sobre literatura e história. Professor e tradutor, era membro da Academia de
Ciências de Lisboa.
Tornou-se amigo do rei Dom Luís I, considerado
à época um dos chefes de Estado mais cultos da Europa. Mas depois brigou com o
monarca, a quem acusaria de plágio, por supostamente copiar, em suas traduções
do dramaturgo inglês, trechos completos do Hamlet
que ele, Freitas, já traduzira.
Embora tenha
vivido apenas seus primeiros anos em São Luís, fazia questão de destacar a sua
origem. Nos Estudos críticos sobre a
literatura brasileira, de 1877, apresenta-se como “um súdito brasileiro”.
No prólogo, escreveu: “Se, como filho do Brasil sentimos em nosso espírito um
concerto de suavíssimas harmonias, ao lermos nas poesias americanas as palavras
que ouvíamos quando criança, que deram expressão e forma aos ternos sentimentos
e às vagas aspirações de nossos primeiros anos; se, apesar do decurso do tempo,
nunca puderam apagar-se da nossa alma as suaves e gratas recordações da terra
que nos foi berço...”
José Antonio de Freitas foi membro
correspondente da Academia Maranhense de Letras. Em gesto de consideração à sua
terra, doou sua rica biblioteca ao Maranhão – presente esnobado, pois nunca
foram buscá-lo. Freitas morreu em 1931, em Lisboa, cercado por seus livros.
Parece-nos, 124 anos depois daquela
arbitragem do presidente Cleveland a favor do Brasil, que já é tempo de
render-se a José Antonio de Freitas homenagem à altura da contribuição que ele
ofereceu ao País.
(Publicado na edição deste sábado, 7 setembro de 2019, de O ESTADO DO MARANHÃO)
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