A Padaria Espiritual

No finalzinho do século XIX, um grupo de jovens cearenses inquietos, como esses que hoje tomam as ruas do país em defesa da educação, decidiu chacoalhar o ambiente intelectual de Fortaleza, investindo, ora, vejam, contra o menosprezo ao conhecimento e o culto à ignorância, que nada é novo neste mundo.
Reunidos num café no centro da cidade, sob a liderança de Antonio Salles, um poeta e escritor de 23 anos, esses jovens criaram, em maio de 1892,  a Padaria Espiritual, “uma sociedade de rapazes de Letras e Artes” destinada a “fornecer pão de espírito aos sócios, em particular, e aos povos, em geral”.
Na ocasião, divulgaram um bem-humorado estatuto de 48 artigos estabelecendo as regras de funcionamento das fornadas (reuniões) e as atribuições dos seus vinte padeiros (os sócios).  
O distintivo da Padaria, segundo o estatuto, seria uma haste de trigo cruzada por uma pena.
Criou-se um órgão de divulgação da sociedade, “O Pão”, jornal de oito páginas, de circulação mensal, que a tornaria famosa para além dos limites do Ceará. 
Além da literatura, o jornal criticava, sempre com humor, a sociedade burguesa e alienada, e ria dos pseudointelectuais.
“O Pão” teve 36 edições, entre 1892 e 1898. Recebeu colaborações dos escritores consagrados da capital da nova república, a começar por Machado de Assis. A Padaria foi depois considerada precursora do movimento modernista brasileira desencadeado em São Paulo. 
                                ***
O conhecimento é o alimento da alma, disse Platão, numa das muitas críticas que fez aos sofistas – os atuais astrólogos que se passam por filósofos. Os “padeiros”  e os “amassadores” daquela divertida padaria do final do século XIX demonstravam saber também a função “alimentícia” do aprendizado permanente que se deve ter para o aprimoramento dos valores humanos.

Hoje, quando se assiste ao menosprezo à educação, ao saber, ao conhecimento, quando se questiona o valor da filosofia e demais ciências sociais, talvez fosse necessária a criação de uma nova Padaria que nos fornecesse o indispensável “pão do espírito” e uma promessa de salvação.

O Brasil está com fome.

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