A cor da pele de Machado de Assis



Sob encomenda da Faculdade Zumbi dos Palmares, de São Paulo, uma agência de publicidade “coloriu” uma foto clássica de Machado de Assis, escurecendo a pele do escritor, como parte de uma campanha destinada a  demonstrar que o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas era negro e, assim, supõe, contribuir para frear o racismo na literatura brasileira.
Além de pedir que a nova imagem substitua a antiga “em todos os livros”, a campanha apresenta um abaixo-assinado pedindo que as editoras “deixem de imprimir, publicar e comercializar livros em que o escritor aparece embranquecido e substituam a imagem preconceituosa pela foto do Machado de Assis real”.
Na minha modesta opinião, essa campanha serve a uma boa causa, o combate ao racismo, mas não serve à verdade.
Que Machado de Assis tinha sangue africano é fato incontestável.
Seus avós, Francisco de Assis, e Inácia Rosa, eram "pardos forros", como se designavam na época os escravos libertos. Negros, portanto. O filho Francisco casou-se com a portuguesa Maria Leopoldina, branca. Dessa união nasceu Machado de Assis.
Por sua origem familiar, por seus traços físicos, pelos testemunhos de seus contemporâneos, pelas biografias que lhe traçaram e pelos retratos que lhe fizeram, trazia a marca legada pelos avós negros. Era um mulato, fruto da relação do negro com a mulher branca. o que, no entendimento da aristocracia da época, era pior do que ser negro.
Mulatos eram geralmente filhos de relações clandestinas, amores subterrâneos, entre brancos e negros escravizados - o que não foi o caso de Machado. Mas foi por isso que, ao denunciar o racismo na sua terra, o Maranhão, Aluísio Azevedo não escreveu um livro sobre o negro, mas sobre o mulato, alvo da intolerância absoluta.
Mulatos, como Machado de Assis, nem sempre têm a pele negra. Deles há, como os sararás, que são brancos e louros. Em nenhuma das fotos conhecidas do escritor – e eu, imodestamente, conheço todas – o escritor tem a pele escura, como a da foto “colorizada”.
Discute-se há mais de um século que suas últimas fotos, quando ele já era um escritor consagrado, teriam sido manipuladas para “embranquecê-lo”. 
E as fotos de períodos anteriores, como outra clássica, publicada na época em q ele tinha 25 anos, quando era um autor iniciante? Tampouco é um “homem de cor” o q aparece ali. Ah, mas Humberto de Campos, em texto de 1936, descreveu-o como "um homem miúdo e de pele escura", argumentarão. Mas qual era esse tom de escuro?
O fundamental, a meu ver,  não é definir a cor da pele do nosso maior escritor, mas reconhecer o fato de q ele era realmente um afrodescendente, fruto do cruzamento do sangue do pai negro com o da mãe branca, informação importante, jamais sonegada por seus biógrafos, para o reconhecimento da contribuição que escravos e seus descendentes deram à cultura e à civilização brasileira.
A luta contra o racismo não se faz com Photoshop, não, senhor. 
Não será pelo escurecimento da pele de Machado de Assis  em suas fotografias - trabalho que, pelo critério da qualidade compromete essa agência de publicidade -  que se provará a sua origem. Basta ler as inúmeras biografias do velho Bruxo.
Devemos ser amigos das boas causas, mas, em primeiro lugar, ser amigos da verdade, como ensinavam os gregos.
Era o que eu tinha a dizer.

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