Viva a Princesa Isabel!


Desde o centenário da Lei Áurea, celebrado em 1988, a princesa Isabel Cristina Leopoldina de Bragança e Bourbon, que a outorgou, foi destronada do posto de “redentora”, título com que foi aclamada nas ruas pelos libertos.


A partir daquele ano, que foi também o da promulgação da atual Constituição brasileira, estudiosos e lideranças do movimento negro procuraram reduzir ou relativizar a importância do ato da princesa. 


A abolição, segundo essa nova visão, foi o resultado da luta e da resistência dos escravos, e não da magnanimidade da Coroa.


Assim, em vez de homenagear Isabel, o justo é homenagear heróis negros, como Zumbi dos Palmares, que lutou até à morte pela liberdade, e Cosme Bento das Chagas, o Negro Cosme, que comandou a resistência escrava no maior quilombo do Maranhão. 


Em vez do 13 de maio, dia da assinatura da Lei Áurea, celebre-se, pois, o 20 de novembro, data da morte de Zumbi.


O 13 de maio, passou, então, a ser considerado um dia nacional de luta contra o racismo, para assinalar que a abolição legal da escravidão não garantiu à população negra condições reais de participação na sociedade brasileira.


Num livro magistral, “Flores, votos e balas” (Companhia das Letras, 529 páginas), publicado em 2015, a socióloga Angela Alonso, da Universidade de São Paulo, observa que esse deslocamento de foco histórico afetou não apenas o calendário e a imagem da herdeira do trono.  


Solapou, para usar sua própria expressão, um fenômeno que não foi nem obra dos escravos nem bondade da princesa: o movimento abolicionista.


Primeiro movimento social de abrangência nacional, o abolicionismo se fez por meio de uma poderosa rede de ativistas, associações e manifestações públicas que pressionava o governo, os congressistas e juízes, e mobilizava a sociedade contra escravidão.


A história desse movimento é reconstituída pela trajetória de figuras emblemáticas: André Rebouças, Abílio Borges, Luís Gama, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. (Rebouças, Gama e Patrocínio eram negros).


Outros ativistas seminais do movimento poderiam merecer destaque nesse livro, como o jornalista maranhense Joaquim Serra, que recebeu elogios públicos de Machado de Assis e Joaquim Nabuco por seu pioneirismo e persistência na luta contra a escravidão.


No Maranhão, um grupo de jovens aspirantes a poetas e escritores (Aluísio e Artur Azevedo, Dunshee de Abranches) formava o Clube dos Mortos, cuja finalidade era acoitar escravos fugidos e encaminhá-los ao Ceará, onde a escravidão fora abolida quatro anos antes da Lei Áurea.


Havia, como fica evidente nos muitos exemplos citados, uma grande, caudalosa manifestação de homens e mulheres, brancos e negros, contra a escravidão no Brasil. 


Segundo Angela Alonso, “a abolição não se faria por si, pelo desenvolvimento da economia ou por decisão solitária do sistema político, como não se fez por canetada da princesa”. Foi, como se vê, obra de muitos brasileiros.


Portanto, é justo que homenageemos, sem exceções injustificáveis, todos os que por ela lutaram: Zumbi dos Palmares, Negro Cosme, os abolicionistas e, por que não?, a princesa Isabel.


Ela, que foi a primeira mulher a governar o Brasil, aproveitou as duas ausências do pai, o imperador Pedro II, em viagens à Europa, para acenar aos escravos. Em 1871, aprovou a Lei do Ventre Livre, que reconhecia livres todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data; e em 1888, promulgou a lei que lhe valeu o título de redentora.


Para homenagear Zumbi dos Palmares, não é preciso destronar a princesa nem ignorar a luta dos que, não sendo escravos, ajudaram a derrubar a escravidão.

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