O legado de Sérgio Ferretti
Quando, na segunda metade dos anos 70, ingressei no curso de Comunicação Social da
UFMA, o professor Sérgio Figueiredo Ferretti era já uma espécie de ícone para estudantes, como eu, interessados
em desvendar os segredos da cultura popular e curiosos em relação às chamadas
ciências sociais.
Conheci-o
na companhia de Valdelino Cécio, poeta e apaixonado pelo folclore, meu saudoso
amigo, na antiga Fundação Cultural do Maranhão, presidida por Domingos Vieira
Filho.
O
professor Ferretti estava então empenhado, juntamente com Valdelino, Joila Moraes e Roldão Lima, na conclusão de uma pesquisa
sobre o tambor de crioula, depois transformada em livro, publicado na série
“Cadernos do Folclore”, do antigo Ministério da Educação e Cultura.
Causou-me
excelente impressão a combinação de um rico currículo – era graduado em
Museologia e em História, fez mestrados em Sociologia do Desenvolvimento e
Antropologia – com uma simplicidade quase franciscana nos gestos e nas
palavras, e na devoção confessa à cultura e à religiosidade populares,
principalmente de origem africana no Maranhão.
Ao
mesmo tempo em que realizava suas pesquisas, aprofundava os conhecimentos
teóricos, doutorando-se, em 1991, em Antroplogia Social pela Universidade de
São Paulo (USP).
Em 1985, havia publicado um livro fundamental sobre a Casa
das Minas – “Querebentan de Zomadomu” – o qual, ao lado da obra de Nunes
Pereira e dos registros que Pierre
Verger, forma um valioso monumento etnológico e etnográfico sobre esse terreiro fundado
no século XIX, em São Luís, por escravos da etnia Jeje, procedentes da atual
República do Benin.
Dez anos depois, o professor Sérgio Ferretti trouxe à
luz “Repensando o sincretismo”, um corajoso estudo sobre o sincretismo
afro-brasileiro a partir da mesma Casa das Minas.
Ao contrario dos puristas, ele via com naturalidade o
processo de transformação que ocorre em todas as manifestações da cultura
popular, com a incorporação de elementos modernos aos seus cultos e festejos.
Daquele primeiro contato do candidato a
jornalista com o futuro antropólogo reconhecido pela comunidade acadêmica nasceria uma grande admiração e uma silenciosa amizade.
Admiração que se estendeu à antropóloga Mundicarmo
Ferretti, sua esposa, de quem fui aluno no primeiro ano de Comunicação na UFMA.
Os dois formavam um desses casais raros, como Zelinda e Carlos Lima, Arlete e Nauro Machado, Laura Amélia e Chico Saldanha, que, de tão identificados no amor e na atividade intelectual, deixam de ser vistos como dois e se tornam uma mesma criatura.
Os dois formavam um desses casais raros, como Zelinda e Carlos Lima, Arlete e Nauro Machado, Laura Amélia e Chico Saldanha, que, de tão identificados no amor e na atividade intelectual, deixam de ser vistos como dois e se tornam uma mesma criatura.
Agora mesmo, andei relendo dois importantes livros
organizados e apresentados por Mundicarmo – “Pajelança do Maranhão no século
XIX – o processo de Amélia Rosa” e “Um caso de polícia – pajelança e religiões
afro-brasileiras no Maranhão”. Em ambos, a constatação do grau de intolerância
e preconceito contra as religiões afro-brasileiras no Maranhão
Na obra de ambos – Sérgio e Mundicarmo -, que não
são maranhenses de nascimento, a mesma preocupação com o registro e a interpretação
dos costumes, crenças e festas populares e, especialmente, das religiões de
origem africana.
Por tudo quanto realizou como pesquisador, professor e
orientador de estudos acadêmicos, pela forte relação que manteve desde os anos
60 com as mais autências raízes populares maranhenses, o doutor Sérgio
Figueiredo Ferretti, que nos deixou neste fim de maio, é merecedor das melhores homenagens da comunidade
científica e intelectual e do povo simples do Maranhão.
(Publicado no jornal O Estado do Maranhão, em 26 de maio de 2018).
(Publicado no jornal O Estado do Maranhão, em 26 de maio de 2018).
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