O poeta Bolaño chegou!

Quem leu os romances do chileno Roberto Bolaño (1953-2003), principalmente Os detetives selvagens, foi tocado pela poesia sutil e sedutora de que está impregnada toda a sua prosa. Considerado o maior romancista latino-americano de sua geração, Bolaño escreveu poemas durante toda a vida, mas publicou apenas dois livros do gênero, ambos em 2000, sem a repercussão obtida pelos romances.

            

Bolaño viveu em Santiago do Chile até os quinze anos, quando mudou-se para o México e iniciou sua produção literária. Retornou ao Chile em 1973, para apoiar o governo de Salvador Allende, que seria logo em seguida deposto por um golpe militar. Foi preso, deixou novamente o país e estabeleceu-se em Barcelona, onde produziu abundantemente. Depois de sua morte, em 2003, aos 50 anos, foram publicados o romance 2666, considerado sua obra máxima, e o livro de poemas A Universidade Desconhecida. 


É esse A Universidade Desconhecida que acaba de chegar ao Brasil, em edição bilingue da Companhia das Letras, com tradução de Josely Vianna Baptista. Um tijolaço de 823 páginas, reunindo toda a poesia produzida, da juventude à maturidade. Poesia cujos elementos de sedução são encontrados em seus romances, principalmente em Os detetives selvagens, Noturno do Chile e 2666. Poesia que se aproxima da antipoesia de Nicanor Parra e busca distância da poética consagrada do conterrâneo Pablo Neruda e do mexicano Octávio Paz. 


Leitor fiel da prosa de Roberto Bolaño, estou agora matriculado nessa universidade desconhecida, que, como advertiu o próprio Bolaño, está presente na formação de todo escritor, “não tem sede física, é uma universidade móvel, mas comum a todos”. 


Segue um aperitivo, com a advertência de que é melhor ir correndo à livraria (física ou virtual) e adquirir o livro. 




 

OS CÃES ROMÂNTICOS

                    Roberto Bolaño

 

Naquela época eu tinha 20 anos

e estava louco.

Tinha perdido um país

mas ganhara um sonho

o resto não importava. 

Nem trabalhar, nem rezar,

nem estudar de madrugada

ao lado dos cães românticos.

E o sonho vivia no vazio de meu espírito.

Um quarto de madeira,

na penumbra,

num dos pulmões do trópico.

E às vezes eu me voltava para dentro de mim mesmo

e visitava o sonho: estátua eternizada

em pensamentos líquidos,

um verme branco se retorcendo

no amor.

Um amor desenfreado.

Um sonho dentro de outro sonho. 

E o pesadelo me dizia: você vai crescer.

Vai deixar para trás as imagens da dor e do labirinto

e vai esquecer.

Mas naquela época crescer teria sido um crime.

Estou aqui, disse, com os cães românticos

e aqui vou ficar.

 

            (In A Universidade desconhecida, Roberto Bolaño, 823 p. Tradução: Josely Vianna Baptista. Companhia das Letras, 2021. Pág. 685).

            

              

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