O massacre dos revoltosos

        Um dos episódios mais lastimáveis e indignos da história da marcha de 25 mil quilômetros da Coluna Prestes pelo interior do Brasil, no início do século XX, deu-se na cidade de Santo Antônio de Balsas, no sul do Maranhão, no dia 22 de fevereiro de 1926, mais de dois meses depois que os revolucionários haviam deixado o território maranhense, cruzando o rio Parnaíba.

O inquérito que apurou o massacre
         Na mesma noite em que os rebeldes eram cercados por tropas governistas em Pernambuco, a 1.400 quilômetros de distância de Balsas, um cabo e três soldados da Força Policial Militar maranhense prenderam e fuzilaram, dentro da cela da cadeia pública daquela cidade sertaneja, dois integrantes da Coluna – o autoproclamado médico Oswaldo Gomes de Oliveira e seu companheiro Paschoal – que tinham se perdido do destacamento a que pertenciam e se encontravam na cidade desde o final de novembro do ano anterior.

Após o fuzilamento, os soldados golpearam com baionetas os corpos sem vida dos prisioneiros, e durante o enterro, no cemitério municipal, atiraram nos cadáveres, dentro da vala comum em que foram depositados. Também prenderam e espancaram um simpatizante da Coluna que ameaçara libertar os presos, um homem que comprara um cavalo dos revoltosos, como eram conhecidos os integrantes da marcha revolucionária, e a amante de Osvaldo, Ernestina, castigada severamente com palmatória.

A população de Balsas, cujo prefeito, Thucydides Barbosa, estava ausente na ocasião, assistiu, perplexa e indignada, às cenas de barbárie. 

Afinal, pouco mais de dois meses antes, recepcionara com festas os principais comandantes militares da Coluna: Luís Carlos Prestes, João Alberto, Siqueira Campos e Miguel Costa, com o grosso de seus destacamentos, cerca de mil homens, que ali permaneceram nos dias 26 e 27 de novembro de 1926. Na sede da Prefeitura, transformada em Comando Militar, o prefeito os homenageara com almoços e jantares animados pela banda de música do município. A impressão que deixaram, segundo o seu testemunho, foi a de homens cultos, educados e simpáticos. 

Os dois revoltosos retardatários haviam chegado à cidade na manhã de 27 de novembro, um dia após a partida do último contingente rebelde, sob o comando do tenente Agenor Pereira de Sousa. Oswaldo apresentou-se como sargento e médico da Coluna e disse estar decidido a permanecer na cidade, onde poderia ser útil à população. Seu companheiro, Paschoal, era soldado e também estava disposto a ficar, se as autoridades permitissem. 

Em depoimento à Polícia no inquérito policial que apurou os dois assassinatos, Thucydides Barbosa disse ter conhecido principalmente Paschoal, “homem simpático e delicado”, a quem recebera em casa para longa conversa. Duvidada que fosse realmente médico, mas reconhecia a sua capacidade de diagnosticar e curar algumas doenças, tendo feito até cirurgias em pacientes. Por isso, disse, tornara-se popular, ao ponto de ser   chamado por todos de Doutor Revoltoso. 

“Ao longe, não se avalia, de certo, o pânico estabelecido na cidade”, disse o prefeito, em artigo publicado no jornal O Imparcial de 31 de dezembro daquele ano. O prefeito escreveu ao jornal para defender-se de insinuações da imprensa de oposição ao governo, capitaneada por O Combate, também publicado em São Luís, de que teria responsabilidade nos dois assassinatos, no mínimo, por omissão. No artigo, ele, temendo indispor-se com o governo, negou que tenha feito homenagens aos dirigentes revolucionários.      


                           Governo humilhado

 

A passagem quase triunfal da Coluna Prestes pelo sul do Maranhão fora humilhante para os governos federal e estadual. 

Desde que se rebelaram no Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná contra o governo Arthur Bernardes em 1924 e saíram em marcha pelo país no ano seguinte, defendendo a sua destituição, os militares que formaram a Coluna Prestes – Miguel Costa, mais conhecida como Coluna Prestes, fugiam do cerco e do combate das tropas governistas. 

No Maranhão, onde chegaram no dia 15 de novembro de 1925, não apenas cavalgaram incólumes pelos campos verdejantes do Sul, como foram recebidos com festas na maioria das cidades que visitaram e onde receberam o maior número de adesões, cerca de 200 homens, recrutados na Mata do Nascimento (hoje Dom Pedro) pelo lavrador cearense Manoel Bernardino de Oliveira, e em Mirador, por Euclides Neiva.

Quando o governador Godofredo Mendes Viana (1878 – 1944) mobilizou a sua Força Policial Militar para dar caça aos invasores do território maranhense, estes já haviam transposto o Parnaíba, em direção ao Nordeste. Mas a polícia maranhense precisava mostrar serviço. Por isso, o tenente Herculano C. Firmino tinha sido enviado de Barra do Corda, onde se concentrou o mais importante contingente policial do Estado, rumo a Carolina, levando 50 praças, à procura de remanescentes dos rebeldes. Ao chegar à fazenda Morro Vermelho, município de Riachão, soube da presença dos retardatários da Coluna em Balsas. Para buscá-los, encarregou o cabo de esquadra Antônio Araújo da Costa, acompanhado de três praças. O resultado foi o morticínio.

O cabo Araújo da Costa e os soldados Joaquim Vieira de Carvalho, Francisco Barnabé da Silva e Francisco Apolinário de Lima, responsáveis pelo massacre, haviam chegado à cidade na tarde do dia 21 de fevereiro, trazendo uma carta do tenente Herculano ao prefeito Thucydides Barbosa, pedindo-lhe apoio aos portadores na captura dos revoltosos que estariam na cidade e deveriam ser conduzidos à sua presença em Carolina. 

Os comandantes da Coluna Prestes
Como o prefeito não se encontrasse, os quatro ignoraram a presença do delegado Pedro Plácido Pereira, efetuaram sem dificuldade as prisões e se instalaram na cadeia, localizada na Praça Gonçalves Dias. Na manhã seguinte, infligiram humilhações públicas aos prisioneiros, fazendo-os conduzir pelas ruas, sob protesto da população, enormes potes de barro abastecidos de água no rio Balsas. À noite, embriagaram-se com cachaça, dançaram abraçados ao som de um harmônio. Perto da meia-noite, ouviram um tiro disparado de uma casa abandonada em frente à cadeia. Foi a senha para que o tenente ordenasse o fuzilamento.
 

No inquérito policial que resultou na prisão, julgamento e condenação dos quatro policiais por homicídio, o cabo Araújo justificou que no momento do tiro da casa velha pensou que a cadeia estivesse sendo invadida por simpatizantes da Coluna para libertar os prisioneiros. E que, por isso, autorizara o massacre. Na tentativa de demonstrar bravura em seu gesto, disse preferir, como bom soldado, morrer a deixar livres os seus prisioneiros.

  

       

 

PARA SABER MAIS


. Inquérito Policial instaurado em 22 de maio de 1926 pelo Tenente José Joaquim Pereira, Delegado de Polícia designado pelo Governador José Maria Magalhães de Almeida para apurar os assassinatos dos revoltosos em Santo Antônio de Balsas. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

. O assassinato dos revoltosos. O Imparcial, São Luís (MA), 3 de dezembro de 1926. Artigo assinado por Thudydides Barbosa, prefeito de Santo Antonio de Balsas. (Págs 1 e 2).

A Coluna Prestes: marchas e combates. LIMA,  Lourenço Moreira. Editora Alfa-Ômega, São Paulo, 1934. 

A marcha dos revoltosos. SANTOS, Maurelli da Costa. Sioge, São Luís (MA), 1991. 116 páginas. 

A Coluna revolucionária Prestes a exilar-sePassagem pelo Sul Maranhense. DINO, Sálvio. Academia Maranhense de Letras. São Luís, 2016.

A marcha da Coluna. João Alberto Lins de Barros. Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1997. Págs. 101 a 117.

. A passagem da Coluna Prestes pelo Alto Itapecuru. BARROSO, Maria das Graças Saraiva. Editora Ética. Imperatriz (MA), 2013. 121 p.

As tropas da Coluna em frente à prefeitura de Carolina (MA).



                                     

          

 

 

Comentários

  1. Importante resgate de um lamentável episódio, com a riqueza de informações característica dos que têm o jornalismo nas veias!

    ResponderExcluir
  2. Excelente crônica histórica que veio abastecer com importantes informações a quase desconhecida história da passagem da Coluna Prestes pelo Maranhão. Ainda há muito o que se contar sobre a Marcha pelo interior nordestino, e até mesmo a sua passagem pela capital do Piauí, Teresina.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Guimarães Rosa nas alturas

Quanto vale um poeta?

A vantagem do silêncio sobre a adesão do MA à Independência

Gonçalves Dias e a Independência do Brasil

Os amigos maranhenses de Guimarães Rosa

A poesia visceral de Jorge Abreu

Um governador no sertão

Mondego: anjo e demônio da Praia Grande