Hora de Guarnicê na República dos becos


           EM JUNHO DE 1975, sob a coordenação da Fundação Cultural do Maranhão, dirigida por José Ribamar Belo Martins, publicava-se, em São Luís, o livro Hora de Guarnicê - Poesia nova do Maranhão, obra literalmente antológica.
Eram 14 os novos poetas reunidos: Antonio Moysés, Chagas Val, Ciro Falcão, Cunha Santos Filho, Edmilson Costa, Francisco Tribuzi, Henrique Corrêa, João Alexandre Júnior, João Ubaldo, Luís Augusto Cassas, Raimundo Fontenele, Rossini Corrêa, Valdelino Cécio e Viriato Gaspar.
O título, sugerido por um dos poetas, Valdelino Cécio, é uma alusão ao momento que antecede as apresentações das brincadeiras de bumba-meu-boi, o tempo de guarnicê, a preparação após o toque de arreunir, e pretendia traduzir o envolvimento de todos com as raízes populares da cultura.
            Alguns dos poetas de Hora de Guarnicê  haviam integrado o movimento de renovação Antroponáutica, eram leitores de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto. Na  província, gravitavam em torno das figuras e da poesia de Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José Chagas e Ferreira Gullar, pelos quais não escondiam a admiração e a influência, por representarem um sopro de renovação em relação aos seus antecessores.
            Eram ainda os duros anos do regime militar, e aqueles rapazes – impressionante como não há uma única mulher na antologia! -, a maioria universitários, refletiam a realidade social e política do País.
            Como todas as antologias, Hora de Guarnicê revelou poetas que se manteriam fiéis ao ofício e outros que desistiram no meio do caminho. Entre os primeiros, estão Viriato Gaspar, brilhante sonetista moderno, autor de livros marcantes, como Manhã portátil, de 1984; Cunha Santos Filho, de poesia quase panfletária, de contestação, mas de fundo humanista; Raimundo Fontenele, com seu lirismo cortante (“fazia um mar imenso em nossas vidas/ e era quase um domingo um firmamento”), autor de Marginais (Pacumã, 2001); Rossini Corrêa, poeta dos aplaudidos Canto Urbano da Silva (1984) e  Almanaque dos Ventos (1991); e Luís Augusto Cassas.
            De todos, Luís Augusto Cassas é o que foi mais longe no seu percurso poético, na construção de uma obra vasta e sólida, amparada em pródiga fortuna crítica, resultado de anos de dedicação e entrega permanentes.
            O romancista Josué Montello, que escreveu a apresentação de Hora de Guarnicê, também assinou o prólogo do primeiro livro de Cassas,  lançado em 1981 pela Civilização Brasileira. E disse: “É preciso guardar o nome deste poeta: Luís Augusto Cassas. E igualmente os poemas de seu livro de estreia: República dos becos”.
Luís Augusto Cassas
            O ensaísta Franklin de Oliveira vaticinou: “Da geração de poetas maranhenses que encontrou em Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi e Nauro Machado as suas figuras mais representativas, talvez o nome mais destinado a obter ressonância nacional seja o de Luís Augusto Cassas”.
            De fato, hoje, com vinte e um livros de poemas publicados, dentre os quais a antologia A poesia sou eu, em dois volumes, num total de 1.400 páginas, Cassas é não apenas o mais destacado de sua geração, aquela que despontou 45 anos atrás com Hora de Guarnicê, mas um dos mais representativos poetas brasileiros do nosso tempo.
            É o que confirma o seu mais recente livro, Paralelo 17 (Editora Penalux, São Paulo), um canto lírico para vencer esses tempos apocalípticos, em que todos os brasileiros precisam arreunir e guarnicê contra o fascismo que já bate às nossas portas. 
              Em nome da Poesia, é tempo, pois, de celebrar os 45 anos de Hora de Guarnicê e de preparar a festa dos 40 anos de República dos becos para quando 2021 chegar.                      
           


Comentários

  1. Relendo sua crônica da semana passada fico feliz em certificar sua preocupação do resgate histórico para valorizar o presente.

    Hora relembrando fatos conhecidos, hora trazendo novidades do passado em fatos e fotos no contexto do hoje.
    Muito bom Antonio Carlos!
    Norton Luis

    “mas quando o pensamento
    namora o sentimento
    tempo e vento
    são puro entretenimento”
    L A Cassas
    PS.: Uma estrofe que pincei do poema “O Pensar e o Sentir”

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