A quarentena de Thoreau

Thoreau e a cabana que construiu à margem do lago Walden
        Um dia, não porque temesse o ataque de algum vírus letal, mas simplesmente porque estava aborrecido com a vida em sociedade, pediu emprestado um machado, dirigiu-se a uma floresta localizada a alguns quilômetros de sua cidade e, à margem do lago Walden, construiu uma cabana com troncos de pinheiro e foi cumprir uma quarentena que durou dois anos e dois meses.


Durante esse período, sobreviveu exclusivamente do fruto de seu trabalho. O tempo livre era dedicado à observação da natureza e a reflexões sobre o sentido da vida.

Essa experiência resultou num livro que influenciou gerações de escritores, idealistas e pacifistas, como Tolstói e Mahatma Gandhi, e se tornou referência para os primeiros movimentos ecológicos do mundo: Walden ou a vida nos bosques, publicado em 1854, nos Estados Unidos.

Seu autor, o escritor, poeta, naturalista e filósofo norte-americano Henry David Thoreau (1817-1862), escreveu duas dezenas de outras obras, embora só tenha publicado em vida esse relato e um ensaio igualmente famoso Desobediência civil: resistência ao governo civil, que influenciou o movimento estudantil durante meu tempo de faculdade.

Em artigo publicado na semana passada na Folha de S. Paulo, João Pereira Coutinho observou que, ao se isolar, Thoreau aprendeu a perder o medo da solidão. Mas não apenas isso, claro, pois a maior lição dessa experiência, para mim, foi aprender a valorizar as coisas simples e desprezar o supérfluo da vida.

Walden é um livro apaixonante. Nele, Thoreau sugere que as pessoas simplifiquem  suas necessidades materiais para que encontrem a verdadeira paz e a conexão com sua natureza interior. Essas sugestões embasam o  transcendentalismo, movimento filosófico liderado nos Estados Unidos por Ralph Waldo Emerson, grande amigo do autor.

Não se trata de livro de auto-ajuda, mas de reflexão filosófica, em linguagem simples mas de fundo erudito (Thoreau estudou Literatura em Harvard e depois retornou à sua cidade para dedicar-se à literatura). 

Além das caminhadas na floresta, dos ofícios que o autor aprende, o livro trata de temas como a solidão,  a autossuficiência e a vida frugal na natureza. Abolicionista, defensor dos índios, Thoreau foi sobretudo um crítico severo da sociedade moderna, baseada na acumulação de bens e riquezas.

Recomendo, pois, aos meus amigos a leitura desse livro imprescindível, que vai nos  mostrar, nesse periodo de quarentena, como às vezes  é bom nos isolarmos para que melhor nos integremos ao mundo e às pessoas. 

Aperitivos de Walden:

Há mil homens podando os ramos do mal para apenas um golpeando a raiz.
  Eu tinha três cadeiras em casa; uma para a solidão, duas para a amizade; três para o convívio social. 
  Simplicidade, simplicidade, simplicidade!
  Não existe cheiro pior do que o da bondade estragada.
  Fui para a mata porque queria viver deliberadamente, enfrentar apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que ela tinha a ensinar, ao invés de vir a descobrir, ao morrer, que não tinha vivido.
  Não reconheço a autoridade de um Estado que compra e vende homens, mulheres e crianças como gado às portas de seu Senado.
  Um homem não precisa estudar história para descobrir o que é melhor para cultivar a si mesmo.
  Amo o bom como amo o feroz.
  Não é uma vergonha que o homem seja um animal carnívoro?
  A verdadeira colheita de minha vida diária é intangível e indescritível como as cores da manhã ou do anoitecer. É um pouco de poeira das estrelas que eu apanho, um pedaço do arco-íris que eu colho.
  O gênio interior jamais extraviou quem o seguisse.
  A bondade é o único investimento que nunca falha.
  Todo homem é o construtor de um templo, chamado corpo, dedicado ao deus que ele cultua, num estilo puramente seu.
  É notável a facilidade e a insensibilidade com que caímos numa determinada rotina, e construímos uma trilha batida para nós mesmos.
  Se o homem segue confiante rumo a seus sonhos e se empenha em viver a vida que imaginou, ele terá um sucesso inesperado em momentos comuns.
  Se você tiver construído castelos no ar, não será trabalho perdido; é ali mesmo que eles devem estar. Agora coloque os alicerces.
  Se um homem não mantém o passo com seus companheiros, talvez seja porque ouve um outro toque de tambor.
  Por mais mesquinha que seja sua vida, aceite-a e viva-a.
  Mais do que o amor, do que o dinheiro, do que a fama, deem-me a verdade.

  Só amanhece o dia para o qual estamos despertos.

LIVROS DE THOREAU NO BRASIL:
A Desobediência Civil. Rio de Janeiro: L&PM Editores, 1997.
Ensaios de Henry David Thoreau – Caminhada. Balneário Rincão, SC: Editora Dracaena, 2015.
WALDEN ou A vida nos bosques. Rio de Janeiro: L&PM Editores, 2010.

Ensaios de Henry David Thoreau - Vida sem Princípio. Balneário Rincão, SC: Editora Dracaena, 2015.

Comentários

  1. Excelente dica! Se todas as pessoas se isolassem todos os dias, pelo menos alguns minutos; refletissem sobre si, desvelando seu real mundo; os valores seriam "fruto pessoal" e não "produto social"; as relações poderiam ser melhores e, consequentemente, o mundo também.

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