O amor em tempos de quarentena


Eu não recomendaria aos amigos e amigas em quarentena a leitura de nenhum desses livros que falam sobre pestes, desastres e tragédias, como as do presente.

Faria uma exceção para O amor nos tempos do cólera, do colombiano Gabriel García Márquez.

A epidemia do colera morbus que se abateu sobre Cartagena de las Indias no final do século XIX, inspiração temporal do romance, é apenas o pano de fundo de uma das mais belas narrativas de amor da literatura ocidental.

O livro conta a história do amor do telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza, cujo pai impede o romance. Ela se casa com outro, e ele a espera durante mais de 50 anos.

A cena mais emblemática desse amor é quando os dois, ela já viúva, fazem uma viagem de navio pelo rio Madalena, e o sonho enfim se realiza.

No navio estão, além de Florentino e Fermina, apenas o capitão e sua namorada. Ao chegar ao destino final, eles são obrigados a retornar com mais passageiros. Para evitar companhias indesejáveis, Florentino então autoriza o capitão a desfraldar uma bandeira indicando que os quatro a bordo estão com cólera e que a embarcação está em quarentena. Assim, eles ficam navegando sem parar, rio acima, rio abaixo, descontando o tempo perdido com aquele amor represado por meio século. O capitão um dia lhe pergunta:

- E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?

“Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia 53  anos, 7 meses e 11 dias com as respectivas noites.

- Toda a vida – disse”.

TRECHOS:  

"Foi o que Hildebranda a fez ver, mas ela não admitiu, pois jamais reconheceria como a realidade que Florentino Ariza, para o bem ou para o mal, era a única coisa que lhe acontecera na vida."

"Florentino Ariza, por outro lado, não deixara de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores longos e contrariados, e haviam transcorrido a partir de então cinqüenta e um anos, nove meses e quatro dias."

"Contudo, quando já o imaginava apagado por completo da memória, reapareceu por onde menos o esperava, convertido em fantasma de suas saudades."

"Não revelara o segredo de seu amor nem mesmo à única pessoa que conquistara o direito de sabê-lo. [...] não porque não quisesse abrir para ela o cofre onde o guardara tão bem ao longo de meia vida, mas porque só então percebeu que tinha perdido a chave."

Do alto do céu, como as via Deus, viram as ruínas da mui antiga e heróica cidade de Cartagena das Índias, a mais bela do mundo, abandonada por seus povoadores devido ao medo pânico do cólera, depois de haver resistido a toda classe de assédios de ingleses e tropelias de bucaneiros durante três séculos. Viram as muralhas intactas, o capim nas ruas, as fortificações devoradas pelo amor-perfeito, os palácios de mármore e altares de ouro com seus vice-reis apodrecidos de peste dentro das armaduras” (O momento em que Fermina Daza e seu marido, Juvenal Urbino,  voam de balão sobre a cidade empestada).

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