Josué Montello, um escritor provincial




 Um dos autores mais importantes da literatura brasileira, o maranhense Josué Montello, 63 anos, tem uma obra dedicada à preservação e defesa da cultura maranhense.  Ele não apenas guarda São Luís nas suas recordações, como procura conduzir a cidade no mundo dos seus conhecimentos históricos. Tanto em seus livros de ensaios quanto em seus romances e artigos de jornais, a capital maranhense está presente como uma moldura do seu universo ficcional.
Desde segunda-feira, 20, em São Luís, ele se prepara para o lançamento, ainda este ano, do mais recente  romance do que ele denomina “ciclo maranhense”. A obra Largo Desterrro, como quase todos os seus romances, tem como ambiente São Luís.
“É o mais terrível dos meus livros”, avisa. O tema, o do sobrevivente. O personagem principal do livro é um homem de 160 anos, que luta contra o fantasma do seu passado. Ele descobre, a certa altura, que possui mais amigos no cemitério do que nas ruas da cidade.
- Esse personagem permite-me detectar uma coisa terrível, que é o drama do sobrevivente. Apenas na idade em que me encontro hoje nós sentimos que todo aquele elenco de companheiros com o qual convivemos vai sendo desfeito. E se a pessoa sobrevive mais, e sobrevive lucidamente, chega a um estado em que tem quase a aspiração da morte. Pois, somente a morte nos livra de nossa degradação.
Um instante de amargura na vida do escritor?
Nos seus livros desfila uma gama infinita de problemas do homem na sua luta com os enigmas da vida. Josué procura transportar para São Luís a complexidade da relação do homem com o mundo. E logo vem a citação de Tolstoi: “Cultiva a tua aldeia e serás universal”, como justificativa para a escolha de São Luís como cenário:
- Quem não tem uma aldeia, uma cidade, uma província, inventa-a, como é o caso de William Faulkner, que inventou Jefferson para ali situar seus romances. Ora, eu tenho São Luís como uma realidade romanesca imensamente rica e que para mim tem essa singularidade. É quase um latifúndio. Os meus conterrâneos quase me deixaram sozinho, fazendo romance em torno do Maranhão. A não ser aqui e ali, um romance sobre São Luís.
         Josué Montello assegura que “essa realidade fabulosa” que vai recriando pedia, na sua diversidade de aspectos, que fosse recriada romanescamente. Quando ele começou sua vida literária, depois de ter publicado um livro em Belém  do Pará com a colaboração de Nélio Reis, já se orientava no sentido do romance. O seu primeiro romance, Janelas fechadas, é um obra sobre o Maranhão. Seguiram-se dois outros livros, Sobrado e Cidade iluminada.
        
Provinciano e provincial

          Para o romancista, existem o escritor provinciano e o provincial. A província é tudo para o primeiro. “Se ele é de São Luís – argumenta – nem chega a ir à Ponta do São Francisco, nem atravessa a Ponta d’Areia. Fica circunscrito àquela paisagem do Carmo, da Rua formosa, da Rua Grande…”
         O outro, o provincial, é, na sua opinião, aquele para quem os problemas universais existem na sua província. “Este associa-se ao tipo a que me referi quando recordei a frase de Tolstoi. É o escritor que cultiva a sua aldeia para ser universal. Ele põe o universe inteiro na sua aldeia”, diz.
         - Eu havia escrito mais dois romances que compunham aquilo a que eu chamei de trilogia da província. Eles representavam a minha primeira concepção romanesca, toda centrada em São Luís.
         Nessa época, era muito mais um escritor provinciano do que provincial, pois para ele o que existia, sobretudo, era a província.
-      E como se deu a renovação?
          - Verifiquei que aquele livro, embora acolhido com generosidade, pois eu começava, e as pessoas que começam são sempre recebidas de maneira carinhosa, não representava o caminho que eu buscava. Eu tinha que me reformular do ponto de vista romancesco. Até que me encontrei. Deixei de ser provinciano e tive a pretensão de ser provincial. Aí começa a minha obra em nova etapa. E se inicia com um pequeno livro, Labirinto de espelhos, que vai, logo a seguir, tornar-se muito mais densa com os romances posteriores. U

                         Um relógio

          Na fase inicial de sua carreira, um livro marca a grande transição de Josué Montello. Trata-se de A luz da estrela morta, romance que não se passa em cidade nenhuma e não tem uma época definida. Conta a história de um relógio parado nas mãos de um homem supersticioso. O homem acha que alguma coisa terrível vai acontecer consigo no momento marcada por aqueles ponteiros. Como é um relógio de pé, um desses relógios grandes, ele não pode levá-lo ao relojoeiro. O home  espera que o relojoeiro vá à sua casa.
           Para o escritor, o livro é o retrato de uma angústia. “É a lenta desagregação de uma consciência que constitui o motivo de inspiração desse romance. E isso nada tem de provincial”.
Escritor prolífico, Josué Montello não vê a literature como passatempo, como ocupação occasional:
- A literatura é, para mim, uma forma de conhecimento do homem e uma ocupação de todas as horas. Eu sou escritor até dormindo, pois tenho as minhas realidades culturais e romanescas de tal maneira dentro de mim que elas perduram até mesmo à revelia de minha lucidez.
          Montello discorda dos que apostam na decadência cultural do Maranhão. “O ambiente humanístico que nos foi legado é ainda florescente”, acredita. E faz um desafio aos jovens: “Eles estão passando ao largo da universidade. A universidade é deles, eles têm que conquistá-la devagarinho; precisam ler, estudar, debater muito mais, precisam participar”.
          E cadê os valores da provincial?, pergunto. Ele responde:
- Vocês têm uma literatura muito rica. Veja, por exemplo, Nauro Machado. Ele tem uma grande dimensão, é um grande poeta em qualquer lugar. Nauro tem a sua vida boêmia, mas é um homem que, nessa vida boêmia, consagrou-se às Letras de maneira absoluta. É um poeta cem por cento. As usas experiências, que dão a impressão de um desvio de caminho, permitem a Nauro chegar a um plano do conhecimento que se transforma em pura poesia.

(Publicado no jornal O ESTADO DO MARANHÃO de 22 de abril de 1981. Reproduzido no livro “Além da ilha” (Clara Editora, 2004).         

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Guimarães Rosa nas alturas

Quanto vale um poeta?

A vantagem do silêncio sobre a adesão do MA à Independência

Gonçalves Dias e a Independência do Brasil

Os amigos maranhenses de Guimarães Rosa

A poesia visceral de Jorge Abreu

Um governador no sertão

Mondego: anjo e demônio da Praia Grande