Andrelina e a lua

Por isso, no dia 31 de dezembro ela acordava cedo, junto com as galinhas, como
dizia, e logo começava a se desincumbir de suas tarefas, para que nada atrapalhasse
o ritual de felicidade que iria cumprir nesta noite.
Em poucos minutos a lenha crepitava no
fogão e ela punha o café dissolvido na água para ferver numa panela. Corria ao
quintal para colher, com um balde preso a uma corda enrolada numa roldana de
madeira, a água do poço escondido entre
mangueiras, laranjeiras e um pé de tuturubá, uma fruta cujo cheiro de sexo rescendia
entre as árvores e instigava a alma inquieta de Andrelina.
Ela voltava para o interior da casa com o balde cheio, abastecia os dois
potes e as bilhas de barro da bilheira da copa, voltava à cozinha e coava, com um pano grosso, o café fumegante.
Quando minha avó acordava, Andrelina já tinha posto o café na mesa, que era arrumada
com uma toalha branca com bordado da mesma cor e a faiança rústica.
“Hoje ela amanheceu acesa”, dizia minha
avó ao meu avô, que ria da observação maliciosa.
E assim prosseguia a faina de Andrelina,
já agora auxiliada por duas mocinhas órfãs que minha avó adotara como filhas e
ensinara, conforme a tradição da família, as tarefas domésticas, exercitadas no
tempo que sobrava com os estudos na escola paroquial. Às 11 em ponto estava posto o almoço, meu avô
à cabeceira, com seu ar grave e silencioso, minha avó à sua esquerda, e, em
volta da mesa, os doze filhos e filhas. A cena se repetiria às 5 da tarde,
durante o jantar.
A última tarefa de Andrelina era recolher, lavar,
enxugar e guardar a louça do café com bolos que era servido às 7 horas.
Agora, Andrelina estava livre para a noite
que estava apenas começando.
Então, ela voltava ao quintal, recolhia a
água para o banho à luz da lua, banho demorado, perfumado com sabão de coco,
auxiliado por buchas do mato para melhor limpeza das partes, e um composto de
jaborandi para limpar e dar consistência aos cabelos para o penteado quando
seco.
No quarto, Andrelina escolhe o vestido
vermelho com uma flor branca bordada à altura do seio esquerdo e veste-se como
uma rainha.
Calça umas sandálias pretas que minha avó lhe dera de presente, contempla-se no espelho, e ri, em sinal de aprovação. Com um toco de batom, deixa os lábios vermelhos como sangue.
Ela então usa o último recurso de sedução, um perfume que ganhou recentemente de um caixeiro viajante que a vira na loja do meu avô. Espalha o perfume pelo pescoço, atrás das orelhas, no pulso e nas mãos.
Calça umas sandálias pretas que minha avó lhe dera de presente, contempla-se no espelho, e ri, em sinal de aprovação. Com um toco de batom, deixa os lábios vermelhos como sangue.
Ela então usa o último recurso de sedução, um perfume que ganhou recentemente de um caixeiro viajante que a vira na loja do meu avô. Espalha o perfume pelo pescoço, atrás das orelhas, no pulso e nas mãos.
Arrumada, perfumada, sentindo-se uma
deusa, Andrelina vai repetir o que faz todas as noites de 31 de dezembro há
pelo menos vinte anos.
Abre a janela para deixar entrar a luz da
lua, apaga a lamparina do quarto,
deita-se lentamente na cama e, em poucos minutos, dorme.
Lindo conto! Um desfecho paradoxal, surpreendente! Não há distinção entre "lethe" e "aletheia". A narrativa dorme na sequência descritiva até o ponto final. Alumbramento...
ResponderExcluirMuito bom! Essa relação que se estabelece entre ela e as pessoas a quem serve. A plenitude em que ela, de forma magistral e única, se embeleza e se recolhe em si. Gostei muito! Parabéns!!!
ResponderExcluirDelícia de leitura, Antônio Carlos.
ResponderExcluirFeliz 2020!
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