Um governador no sertão
Para inaugurar as primeiras estradas de um plano rodoviário concebido nos moldes das parcerias público-privadas do liberalismo moderno, o governador José Maria Magalhães de Almeida (1883-1945) realizou, no final de 1927, a primeira viagem de um governador ao sul do Maranhão. Com a garantia de que seriam ressarcidos pelo Estado, fazendeiros e coronéis estavam então construindo, com a mão-de-obra sertaneja, os caminhos carroçáveis que permitiriam a ligação rodoviária entre a capital e o sertão.
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Indio Kanela aborda Clarindo Santiago |
Ao todo, de trem, carro e barcos, o comandante Magalhães de Almeida, assim tratado por sua condição de oficial da Marinha do Brasil, percorreu, em 14 dias, 2.700 quilômetros do território estadual, 800 dos quais em caminhos estreitos, inconsistentes, abertos nas matas sem maquinário, com instrumentos agrícolas manejados penosamente pelos sertanejos.
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Magalhães de Almeida navega no Rio Balsas |
Esse material, texto e fotos, depois condensado, resultou no livro Rumo ao sertão (94 páginas) publicado em 1928 pela Tipografia Teixeira, de São Luís. Na pequena obra, autêntica peça de marketing político, Clarindo Santiago, um dos intelectuais mais respeitados e admirados do seu tempo, descreve a realidade observada durante o percurso, mas, sobretudo, faz propaganda do governo do amigo governador. Em algumas passagens é possível sentir a presença do grande escritor que mais tarde ele provou ser (leia box).
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Visita à Redação do jornal O Norte, em Barra do Corda |
Vestido de branco (seria a sua farda de oficial da Marinha?), as calças enfiadas em botas pretas de cano largo, na cabeça um chapéu também branco assemelhado aos utilizados em safáris africanos, que lhe achatava a cabeça e reduzia a altura, o governador deve ter impressionado os sertanejos pela aparência bizarra e pelo reluzente automóvel Ford T preto, modelo 1925, em que circulava com sua pequena comitiva engravatada.
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No Curador (hoje Presidente Dutra), em frente à casa do coronel Sebastião Gomes de Gouveia |
O seu empenho em realizar o plano rodoviário, no qual investiu 1 mil e 101 contos de reis, e de torná-lo conhecido era determinado por uma emergência: a necessidade de integrar o sul ao norte do Estado.
O transporte então se fazia apenas no leito dos rios navegáveis ou no lombo de animais nas chamadas estradas do gado. A Estrada de Ferro São Luís-Teresina beneficiava parte ínfima do nordeste do Estado e não integrava as povoações mais afastadas de seu leito. Os dois rios que estabelecem os limites do Maranhão, a leste e oeste, o Parnaíba e o Tocantins, desserviam ao Estado, pois o comércio das cidades maranhenses ribeirinhas se dava com os Estados vizinhos do Pará, Goiás (que abrangia o atual Tocantins) e Piauí, em prejuízo do Maranhão.
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Em Benedito Leite, em frente à Prefeitura Muncipal |
Clarindo Santiago esquece de mencionar em seu livro que, antes de assumir o governo em março de 1926, Magalhães de Almeida assistira, na condição de senador da República, à passagem da Coluna Prestes pelo Sul do Estado (1925), sem que as forças policiais, a estadual e a federal, nada pudessem fazer para conter o avanço do movimento revolucionário.
Na mensagem encaminhada ao Congresso Estadual pouco antes de entregar o cargo a Magalhães de Almeida, em março de 1926, Godofredo Mendes Viana (1878-1944) justificou ter sido “materialmente impraticável” organizar a resistência, dadas as distâncias que separam da capital a região invadida, a impossibilidade de um transporte rápido e a insignificância numérica das forças policiais no sul do Estado. Um exemplo: a expedição militar enviada a Barra do Corda para combater os revoltosos, quando estes tomaram Carolina, levara quinze dias em viagem fluvial.
Como militar experiente, o comandante Magalhães de Almeida sabia que o isolamento do sertão representava um perigo para a conservação da unidade política e territorial do Estado. A Coluna Prestes tinha sido ali recepcionada com festas. Uma oposição aguerrida, comandada pelo médico Tarquínio Lopes Filho, fundador no Estado do Partido Socialista, apoiada pelos jornais Folha do Povo e O combate, explorava politicamente o abandono da região e o domínio das oligarquias municipais. Daí a pressa em promover a integração estadual, mediante a construção de estradas, escolas e unidades de profilaxia de doenças, áreas em que investiu durante os quatro anos de seu governo.
O livro de Clarindo Santiago (no ano seguinte, 1928, o governador fez nova viagem ao sertão, relatada no livro Estradas maranhenses, do mesmo autor) tem o mérito de registrar a primeira iniciativa concreta para a integração dos vastos territórios do Maranhão, protagonizada pelo penúltimo representante maranhense da chamada República dos Coronéis ou República Velha. O sucessor de Magalhães de Almeida, José Pires Sexto, ficou no cargo apenas sete meses, deposto que foi pelos revolucionários de 1930.
O texto e as fotos dessa modesta e raríssima brochura eternizam, em preto e branco, o mundo de um sertão por séculos entregue à própria sorte.
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Quem foi Magalhães de Almeida
José Maria Magalhães de Almeida nasceu em Codó, em 28 de junho de 1883. Depois de realizar os primeiros estudos em São Luís, ingressou em 1899 na Escola Naval, no Rio de Janeiro. Guarda-marinha, segundo e primeiro tenente, permaneceu durante cinco anos na Europa acompanhando a construção de navios para a Armada brasileira. Participou de missões no Chile, Argentina e Uruguai. Atuou na Primeira Guerra Mundial como oficial subordinado do comandante-em-chefe da esquadra norte-americana. Capitão-tenente, também serviu na Itália.
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Magalhães de Almeida |
Deputado federal eleito pelo Maranhão em 1921 e em 1924. Em 1925, ocupou uma cadeira no Senado. Assumiu o governo do Maranhão em março de 1926 e cumpriu todo o mandato, que durou até pouco antes da eclosão da Revolução de 1930. Foi contra a revolução. Embarcou na Bahia no vapor Pará, armado de canhões, em direção a São Luís, onde os rebeldes, sob o comando de José Maria Reis Perdigão (1900-1986), haviam destituído o governador Pires Sexto (sucessor de Magalhães de Almeida no governo), disposto a bombardear a cidade. Desistiu do ataque e seguiu para Belém (PA), onde foi preso e levado ao Maranhão. Voltou à ativa, promovido a capitão-de-fragata. Em 1933, elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte. Faleceu no Rio de Janeiro em 1945.
Clarindo Santiago, médico e intelectual
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Clarindo Santiago |
AUTOMÓVEIS NO MARANHÃO EM 1928
Automóveis de passeio. ................ 360
Automóveis de carga ..................... 221
Caminhões....................................... 4
Grande epopeia, e alguns de paletó e gravata, em pleno calor do sertão maranhense.
ResponderExcluirÉpoca e homens aventureios e corajosos.
Prezado, tenho um blog(Folhas Avulsas - jpdeafilho.blogspot.com.br), no qual escrevo, principalmente sobre coisas do meu Curador(Presidente Dutra). tempos passados, coincidentemente, também escrevi duas crônicas sobre a passagem de Magalhães de Almeida pela vila do Curador, na época, território barra-cordense. Parabéns pelo belo texto. Realmente, tratou-se de uma epopeia a viagem do grande maranhense.
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