Perón no Maranhão
Há 65 anos, deposto da presidência da Argentina por um golpe militar, Juan Domingo Perón esteve em São Luís a caminho do exílio
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Perón com jornalistas maranhenses, entre os quais Miécio Jorge e José Nogueira Arruda |
Ao meio-dia de 3 de novembro de 1955,
uma quinta-feira de sol, o avião “Presidente
Stroessner”, um Douglas C-47 da Força
Aérea do Paraguai, aterrissou no aeroporto do Tirirical, em São Luís, e dele
desembarcou, para uma permanência de apenas uma hora em solo, o ex-presidente da
Argentina, Juan Domingo Perón.
Deposto
por um golpe militar menos de dois meses antes, Perón havia fugido para o
Paraguai, onde recebera asilo temporário. No dia anterior à sua chegada ao
Maranhão, embarcara em Assunção na aeronave militar cedida pelo governo paraguaio,
cruzando o espaço aéreo brasileiro com destino a Manágua, capital da Nicarágua,
de onde seguiria para a Espanha para um exílio que duraria 18 anos.
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O C-47, do ParaguaI, que transportou Perón |
A
hora transcorrida entre o pouso e a decolagem do “Presidente Stroessner” no
Tirirical foi suficiente para que o político de maior projeção da América
Latina à época concedesse uma entrevista exclusiva a jornalistas de O Imparcial e do Pacotilha O Globo, comprasse
sardinhas em lata para o almoço e
cumprimentasse e posasse para fotografias com funcionários civis e militares e
trabalhadores do aeroporto, enquanto fumava desbragadamente.
Aos
dois diários maranhenses o líder argentino disse estar seguindo para a Nicarágua e
outros países para denunciar o golpe de que tinha sido vítima. E garantiu que
voltaria à Argentina como candidato às eleições seguintes. “Se não me privarem
dos meus direitos constitucionais de cidadão, concorrerei à eleição
presidencial de meu país e tenho certeza de que ganharei”, declarou ao O Imparcial.
Os jornalistas perguntaram-lhe como recebera a notícia de que o Exército argentino lhe havia cassado a patente de general. Ele respondeu que o fato não tinha importância. “Não liguei. O governo atual da Argentina e os seus atos não terão duração. Um governo que procura firmar sua base em perseguições e mortes dos adversários não pode perdurar”.
Os jornalistas perguntaram-lhe como recebera a notícia de que o Exército argentino lhe havia cassado a patente de general. Ele respondeu que o fato não tinha importância. “Não liguei. O governo atual da Argentina e os seus atos não terão duração. Um governo que procura firmar sua base em perseguições e mortes dos adversários não pode perdurar”.
A
história mostraria que Perón estava equivocado. Seu retorno à Argentina só
seria permitida em novembro de 1972, quase 18 anos depois, aos 76 anos. Ele
reorganizaria o seu Partido Justicialista, extinto pelos militares, e, em 1973,
seria novamente eleito presidente. Morreu no cargo um ano depois, sendo
sucedido pela Isabelita, sua terceira esposa, que era sua vice.
Furo de reportagem
A descida do Douglas
C-47, reluzente artefato de fuselagem bege com a identificação do governo
paraguaio pintada em letras pretas, causou alvoroço no pequeno campo de pouso
de São Luís, pois nem o Departamento de Aviação Civil, com seu pequeno destacamento
militar, nem os funcionários do aeroporto, sabiam daquele voo.
Mas
os repórteres dos dois jornais, que pertenciam à poderosa rede de comunicação
montada em todo o país por Assis Chateaubriand, souberam com antecedência,
pois, minutos antes, chegaram ao local
para registrar o pouso e tentar entrevistar e fotografar o passageiro ilustre.
Entre os repórteres, estavam Nonnato Masson, Miécio Jorge, José Nogueira Arruda, Lago Burnett, Rangel Cavalcante e José Sarney, além do fotógrafo Dreyfus Azoubel - jovens que mais tarde iriam fazer história no jornalismo e em outras atividades.
Entre os repórteres, estavam Nonnato Masson, Miécio Jorge, José Nogueira Arruda, Lago Burnett, Rangel Cavalcante e José Sarney, além do fotógrafo Dreyfus Azoubel - jovens que mais tarde iriam fazer história no jornalismo e em outras atividades.
- Eu estava lá, me lembro muito bem
– diz o ex-presidente José Sarney, à época um jovem advogado e poeta de 25 anos,
membro da Academia Maranhense de Letras e terceiro suplente de deputado
federal. Sarney, que integrava a equipe dos Associados, participou da cobertura
da visita e escreveu uma nota sobre o assunto no Imparcial. “Foi realmente um furo de reportagem”, recorda.
A tripulação do “Presidente
Stroessner”, composta pelo comandante paraguaio Novak e pelo major Victor
Radeglhia, secretário particular de Perón, desceu poucos minutos depois do
pouso. Perón e a aeromoça paraguaia Lili Ramirez permaneceram no interior da
aeronave.
Os jornalistas então pediram que o comandante tentasse convencer o ex-presidente a conversar com eles. Perón então desembarcou em mangas de camisa, com um boné na cabeça, a todos cumprimentando e esbanjando simpatia. Conversou à vontade com os jornalistas, cumprimentou os funcionários civis e militares do aeroporto, deu autógrafos e posou para fotos.
Os jornalistas então pediram que o comandante tentasse convencer o ex-presidente a conversar com eles. Perón então desembarcou em mangas de camisa, com um boné na cabeça, a todos cumprimentando e esbanjando simpatia. Conversou à vontade com os jornalistas, cumprimentou os funcionários civis e militares do aeroporto, deu autógrafos e posou para fotos.
A aeromoça de Perón
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Masson cumprimenta Perón |
“De sapatos pretos, presente do
presidente do Paraguai, ganho no dia 3 de outubro, quando completou 60 anos de
idade, calça de tropical cinzento, camisa esporte cor de sorvete cremoso e um
boné tipo jóquei, Juan Domingo Perón, como diriam os cronistas sociais, 'aconteceu' ao sol do meio-dia no aerocampo do Tirirical”, escreveu Nonnato
Masson, em texto divertido e espirituoso.
Masson
descreveu a aeronave, “da cor de leite condensado”, como um “um avião de
turismo, dado o luxo do seu interior”. Segundo ele, os tripulantes, fardados de
verde, “à moda dos alunos do Colégio São Luís”, perguntaram, antes de
apresentar qualquer documento, onde poderiam comprar sardinhas em lata. E só
então confirmaram a presença do ex-presidente argentino no avião. Ele gostava
de sardinhas em conserva e dos cigarros brasileiros Hollywood e Continental,
informaram.
Diferentemente
da reportagem política publicada pelo Imparcial,
escrita provavelmente por Miécio Jorge, e do artigo que Lago Burnett escreveu
para o Pacotilha atacando o velho
caudilho (“O triste fim de Juan Domingo Perón”), Masson concentra a sua crônica
na apresentação de Lili Ramírez, a aeromoça que acompanhava o presidente
deposto, cuja beleza o impressionou.
O
encontro com a jovem paraguaia “foi, não há dúvida, o momento mais emocionante
da passagem de Perón por São Luís”, escreveu.
“Alva e linda como uma personagem de Vargas Vila, de cabelos negros e olhos que pareciam duas fabulosas esmeraldas, o sol daquela tarde aureolando-lhe a figurinha insinuante de jovem guarani vestida de azul e branco, tal qual uma normalista”.
“Alva e linda como uma personagem de Vargas Vila, de cabelos negros e olhos que pareciam duas fabulosas esmeraldas, o sol daquela tarde aureolando-lhe a figurinha insinuante de jovem guarani vestida de azul e branco, tal qual uma normalista”.
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Lili Ramírez, a aeromoça que encantou Masson |
“O resto da história é a seguinte: Peron no avião acenava com a mão desesperadamente através da janela e parece que ninguém observava. Porém, quando a mão de Lili agitou-se no gesto de adeus, todas aquelas mãos que estavam em terra ergueram-se e ficaram acenando até o avião sumir...”
* * *
Militar
e político argentino, Juan Domingo Perón (1895-1974) presidiu a Argentina por
três vezes: de 1946 a 1952; de 1952 a 1955; e de 1973 a 1974. Adotou uma
política social de apoio aos mais pobres, que o tornou muito popular até hoje,
46 anos após a sua morte, mas desagradou os militares por seu estilo
autoritário, inspirado no fascismo italiano. Cumpria o segundo mandato quando,
em 19 de setembro de 1955, militares invadiram o palácio do governo e o
depuseram. Menos de dois meses depois, chegaria a São Luís, naquela tarde de
sol em que foi entrevistado. De São Luís, seguiria para Macapá, capital do
antigo território do Amapá, e, de lá, para Manágua, capital da Nicarágua, etapa
de um exílio que se estendeu até 1972.
Quando
o “Presidente Stroessner” transitou pelo território brasileiro (fez pousos no
Rio de Janeiro, Salvador, São Luís e Macapá), nos dias 2 e 3 de novembro de
1954, conduzindo Perón, o Brasil era presidido por Café Filho, vice de Getúlio
Vargas (que se suicidara em 1954). No dia 8, Café Filho afastou-se do cargo por
motivos de saúde e Carlos Luz assumiu o governo. O Maranhão era governado pelo
médico José de Matos Carvalho (1905-1993).
.Todas as fotos desta reportagem são de autoria de Dreyfus Azoubel, fotógrafo dos Diários Associados.
(Matéria publicada na edição deste sábado, 14.03.2020, no jornal O ESTADO DO MARANHÃO).
.Todas as fotos desta reportagem são de autoria de Dreyfus Azoubel, fotógrafo dos Diários Associados.
(Matéria publicada na edição deste sábado, 14.03.2020, no jornal O ESTADO DO MARANHÃO).
Excelente. Não sabia desse fato. Parabéns pela matéria.
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