Josué Montello, um escritor provincial
Desde segunda-feira, 20, em São Luís, ele se prepara
para o lançamento, ainda este ano, do mais recente romance do que ele denomina “ciclo
maranhense”. A obra Largo Desterrro,
como quase todos os seus romances, tem como ambiente São Luís.

- Esse personagem permite-me detectar uma coisa
terrível, que é o drama do sobrevivente. Apenas na idade em que me encontro
hoje nós sentimos que todo aquele elenco de companheiros com o qual convivemos
vai sendo desfeito. E se a pessoa sobrevive mais, e sobrevive lucidamente,
chega a um estado em que tem quase a aspiração da morte. Pois, somente a morte
nos livra de nossa degradação.
Um instante de amargura na vida do escritor?
Nos seus livros desfila uma gama infinita de problemas
do homem na sua luta com os enigmas da vida. Josué procura transportar para São
Luís a complexidade da relação do homem com o mundo. E logo vem a citação de
Tolstoi: “Cultiva a tua aldeia e serás universal”, como justificativa para a
escolha de São Luís como cenário:
- Quem não tem uma aldeia, uma cidade, uma província,
inventa-a, como é o caso de William Faulkner, que inventou Jefferson para ali
situar seus romances. Ora, eu tenho São Luís como uma realidade romanesca
imensamente rica e que para mim tem essa singularidade. É quase um latifúndio.
Os meus conterrâneos quase me deixaram sozinho, fazendo romance em torno do
Maranhão. A não ser aqui e ali, um romance sobre São Luís.
Josué
Montello assegura que “essa realidade fabulosa” que vai recriando pedia, na
sua diversidade de aspectos, que fosse recriada romanescamente. Quando ele
começou sua vida literária, depois de ter publicado um livro em Belém do Pará com a colaboração de Nélio Reis, já
se orientava no sentido do romance. O seu primeiro romance, Janelas fechadas, é um obra sobre o
Maranhão. Seguiram-se dois outros livros, Sobrado
e Cidade iluminada.
Provinciano e provincial
Para o
romancista, existem o escritor provinciano e o provincial. A província é tudo
para o primeiro. “Se ele é de São Luís – argumenta – nem chega a ir à Ponta do
São Francisco, nem atravessa a Ponta d’Areia. Fica circunscrito àquela paisagem
do Carmo, da Rua formosa, da Rua Grande…”
O outro,
o provincial, é, na sua opinião, aquele para quem os problemas universais
existem na sua província. “Este associa-se ao tipo a que me referi quando
recordei a frase de Tolstoi. É o escritor que cultiva a sua aldeia para ser
universal. Ele põe o universe inteiro na sua aldeia”, diz.
- Eu
havia escrito mais dois romances que compunham aquilo a que eu chamei de
trilogia da província. Eles representavam a minha primeira concepção romanesca,
toda centrada em São Luís.
Nessa época,
era muito mais um escritor provinciano do que provincial, pois para ele o que
existia, sobretudo, era a província.
-
E como se deu a renovação?
- Verifiquei
que aquele livro, embora acolhido com generosidade, pois eu começava, e as
pessoas que começam são sempre recebidas de maneira carinhosa, não representava
o caminho que eu buscava. Eu tinha que me reformular do ponto de vista
romancesco. Até que me encontrei. Deixei de ser provinciano e tive a pretensão
de ser provincial. Aí começa a minha obra em nova etapa. E se inicia com um
pequeno livro, Labirinto de espelhos,
que vai, logo a seguir, tornar-se muito mais densa com os romances posteriores.
U
Um relógio

Para
o escritor, o livro é o retrato de uma angústia. “É a lenta desagregação de uma
consciência que constitui o motivo de inspiração desse romance. E isso nada tem
de provincial”.
Escritor prolífico, Josué Montello não vê a literature
como passatempo, como ocupação occasional:
- A literatura é, para mim, uma forma de conhecimento
do homem e uma ocupação de todas as horas. Eu sou escritor até dormindo, pois
tenho as minhas realidades culturais e romanescas de tal maneira dentro de mim
que elas perduram até mesmo à revelia de minha lucidez.
Montello discorda dos que apostam na decadência
cultural do Maranhão. “O ambiente humanístico que nos foi legado é ainda
florescente”, acredita. E faz um desafio aos jovens: “Eles estão passando ao
largo da universidade. A universidade é deles, eles têm que conquistá-la
devagarinho; precisam ler, estudar, debater muito mais, precisam participar”.
E cadê
os valores da provincial?, pergunto. Ele responde:
- Vocês têm uma literatura muito rica. Veja, por
exemplo, Nauro Machado. Ele tem uma grande dimensão, é um grande poeta em
qualquer lugar. Nauro tem a sua vida boêmia, mas é um homem que, nessa vida
boêmia, consagrou-se às Letras de maneira absoluta. É um poeta cem por cento.
As usas experiências, que dão a impressão de um desvio de caminho, permitem a
Nauro chegar a um plano do conhecimento que se transforma em pura poesia.
(Publicado
no jornal O ESTADO DO MARANHÃO de 22 de abril de 1981. Reproduzido no livro
“Além da ilha” (Clara Editora, 2004).
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